quarta-feira, dezembro 07, 2005
Refeições
As refeições feitas em horários certos fazem parte dos rituais mais antigos da humanidade. Os efeitos sociabilizantes do comer em grupo ajudam a nos humanizar. Os pequenos vínculos que unem as famílias são forjados à mesa. A estabilidade de nossos lares provavelmente depende mais de mantermos horários certos para fazermos as refeições em conjunto do que da fidelidade sexual ou do respeito filial. Hoje essa estabilidade corre perigo. A comida está sendo dessocializada. O fim das refeições regulares implica dias desestruturados e apetites indisciplinados.
A solidão da pessoa que consome fast food é incivilizadora. Nas famílias regidas pelo microondas, a vida familiar se fragmenta. O fim do preparo das refeições em casa é algo que foi previsto com tristeza e, ao mesmo tempo, ardentemente desejado. O movimento contrário à cozinha caseira começou há cem anos, sem muita força, entre os socialistas que queriam libertar as mulheres da cozinha e substituir a família pela comunidade mais ampla. A culinária rendeu-se à chamada "conveniência", em que o desmembramento das famílias começa pela geladeira. Parece que somos incapazes de ser sociáveis sem a presença de alimentos. Para as pessoas que apreciam a presença umas das outras, cada refeição é uma festa amorosa. Comemos para entrar em comunhão com nossos deuses. A mesa de jantar discretamente iluminada é nosso ponto de encontro romântico favorito. Alianças diplomáticas são forjadas em banquetes de Estado. Negócios são fechados em almoços de negócios. Os encontros familiares ainda se dão na hora das refeições. O lar é um lugar que tem cheiro de comida sendo preparada. Se quisermos que nossos relacionamentos dêem certo, teremos que voltar a comer juntos. Felipe Fernandez Armesto é historiador e professor da Universidade de Londres. É autor de, entre outros livros, "Milênio" (ed. Record) e "Food - A History" (ed. Macmillan, Inglaterra). postado por Carla
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